ADPF 54/DF - Aborto de anencéfalos
- Gabriel de Arruda Castro
- 17 de jan. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 27 de fev. de 2023

ADPF 54/DF
Ano do Julgamento: 2012
Impetrante: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS)
Relator: Marco Aurélio Mello
O Código Penal (Artigo 128) trata todos os abortos como crime, mas afirma que não haverá punição em dois casos específicos:
“Se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro”
A Constituição Federal (Artigo 5º, inciso II), determina:
“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”
A mesma Constituição (artigo 44) estabelece:
“O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.”
O aborto de anencéfalos só poderia ser autorizado (ou seja: deixar de ser proibido) por força de lei. E essa lei precisaria ser aprovada pelo Congresso Nacional. Entretanto, na ADPF 54, apreciada em 2012, o STF criou outra exceção: a das gestações em que o bebê tem diagnóstico de anencefalia (uma má-formação grave na qual o bebê não desenvolve partes essenciais do cérebro). Ao fazê-lo, a corte ultrapassou suas atribuições constitucionais.
A decisão da corte comete outros graves erros. O tribunal deixou de considerar de forma adequada o fato de que, embora a maior parte dos anencéfalos morra ainda no útero, uma parcela significativa (cerca de 25%) sobrevive após o parto.
Além disso, não é possível relativizar o direito à vida dos anencéfalos sem também relativizar a própria vida humana. Ao estabelecer que certos seres humanos não merecem viver devido à sua condição física (e, de fato, a anencefalia não permite uma vida plena, duradoura e consciente), o STF abriu as portas para o aborto eugênico. Se a vida não é inviolável em si, mas pode ser eliminada quando houver anomalias ou deficiências graves, o passo seguinte é debater quais são as anomalias e deficiências graves que justificam a eliminação da vida. Em alguns países, concluiu-se que a síndrome de Down, por exemplo, é causa suficiente para um aborto. Não é difícil ver como isso rebaixa todos os seres humanos, inclusive aqueles sem qualquer tipo de deficiência.
Por fim, a decisão do STF fecha os olhos para outro problema grave, mesmo que se admita que os bebês com anencefalia não merecem viver: as limitações da medicina. Erros médicos não são incomuns.
Na verdade, mesmo antes do julgamento do STF, ativistas pró-vida apresentaram o caso da bebê Marcela de Jesus Ferreira, que recebeu diagnóstico de anencefalia, nasceu e viveu por um ano e oito meses ratava-se de um erro médico. Mas se a medicina não consegue avaliar com precisão o que é um anencéfalo, o argumento do relator não se sustenta. Estima-se que de 1 a 5% dos diagnósticos de anencefalia sejam falsos positivos, dependendo do método adotado.
A decisão pelo aborto tem consequências irrevogáveis. Se muitos são contra a pena de morte por causa do risco de que inocentes sejam condenados, aqui o mesmo princípio deveria prevalecer: onde há chance real de um diagnóstico errado, que não se permita o aborto.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio afirma cita o médico José Aristodemo Pinotti em apoio à decisão de liberar o aborto nesses casos. O médico disse que a anencefalia é “letal, em cem por cento dos casos, quando o diagnóstico é correto”. O qualificativo “quando o diagnóstico é correto” é uma admissão de que a medicina, apesar de todo o progresso, tem uma capacidade limitada de proclamar verdades objetivas.
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